Custodio Bissetti Advogados

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01 Jun 2023

Substituição do vale-transporte pelo vale-combustível: o que diz a lei

Uma grande dúvida que surge no cotidiano das empresas se refere à substituição do vale-transporte pelo auxílio-combustível, assim como a possível incorporação de tais valores ao salário do trabalhador. Isso porque, na prática, muitas empresas se utilizam do auxílio ou vale-combustível em permuta ao vale-transporte, esse último tido como benefício utilizado para custear o deslocamento do empregado de sua residência ao trabalho e vice-versa por meio do transporte público.

À vista disso, questiona-se: o valor destinado ao transporte integra o salário? O benefício do vale-transporte poderá efetivamente ser pago em dinheiro? E, mais, o empregador está obrigado a realmente conceder o auxílio-combustível em conversão ao vale-transporte?

Do ponto de vista normativo, tem-se que a Lei nº 7.418, de 16 de dezembro de 1985 [2], ao instituir o vale-transporte, preceitua em seu artigo 2º, "a" [3], que esse não terá natureza salarial, tampouco se incorporará à remuneração do trabalhador. Lado outro, o Decreto nº 10.854, de 10 de novembro de 2021 [4], traz, em seu artigo 110, que "é vedado ao empregador substituir o vale-transporte por antecipação em dinheiro ou qualquer outra forma de pagamento, exceto quanto ao empregador doméstico, ressalvado o disposto no parágrafo único".

De outro norte, o artigo 28, §9º, alínea "f", da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991 [5], prevê que a parcela recebida a título de vale-transporte não integrará o salário de contribuição. De igual modo, a Solução de Consulta Disit/SRRF04 nº 4023, de 16 de agosto de 2021, diz que o vale-transporte pago em pecúnia não terá incidência de contribuições previdenciárias [6].

Nesse sentido, a respeito do fornecimento do vale-transporte e o uso de veículo pelo empregado, oportunos são os ensinamentos de Arnaldo Sussekind, Délio Maranhão, Segadas Viana e Lima Teixeira [7]:

"Se o veículo é proporcionado ao empregado para a execução dos serviços, não pode ser considerado salário. Aliás, o art. 458 da CLT, na redação advinda da Lei nº 10.243, de 2001, esclarece que não constitui salário utilidade o transporte destinado ao deslocamento para o trabalho e retorno, em percurso servido ou não de transporte público.
(...). O vale-transporte, instituído pela Lei n° 7418, de 1985 (modificada pela n. 7.619, de 19871), teve o seu regulamento aprovado pelo Decreto nº 95.247, de 1987. São beneficiários todos os servidores públicos e empregados privados, inclusive os domésticos, os registrados em empresas de trabalho temporário, os atletas profissionais e até os que trabalham no próprio domicílio, estes quando tiverem de deslocar-se para a sede do estabelecimento empregador (art.1º)".

Logo, não há dúvidas de que o empregador deve, por força de lei, conceder ao trabalhador quando solicitado o benefício do vale-transporte para o custeio de suas despesas de deslocamento, muito embora a legislação não seja expressa quanto à possibilidade de substituição e do ressarcimento de tal benefício por auxílio pecuniário para o custeamento dessas despesas.

De mais a mais, o §2º do artigo 457 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) [8], que aborda a temática da remuneração, dispõe que "as importâncias, ainda que habituais, pagas a título de ajuda de custo, auxílio-alimentação, vedado seu pagamento em dinheiro, diárias para viagem, prêmios e abonos não integram a remuneração do empregado, não se incorporam ao contrato de trabalho e não constituem base de incidência de qualquer encargo trabalhista e previdenciário".

A propósito, os Tribunais Trabalhistas já foram provocados a emitir juízo de valor sobre essa temática, inclusive no tocante ao ressarcimento de despesas a título de auxílio-combustível. Nesse sentido, um trabalhador teve negado o seu pedido de reembolso a título de auxílio-combustível por equiparação ao vale transporte [9]. A desembargadora relatora ponderou:

"É incontroverso que o reclamante utilizava veículo próprio (motocicleta) para efetuar o deslocamento casa-trabalho-casa e que optou por não receber o vale transporte, ante a justificativa de ‘ausência de interesse’. Ao contrário do que sustenta o recorrente, inexiste previsão legal que ampare o pedido de ressarcimento de auxílio combustível, à míngua de expressa previsão contratual, resultando inaplicável para esse efeito a previsão contida na 19ª cláusula da convenção coletiva de trabalho anexada aos autos, eis que o normativo trata exclusivamente do benefício legal a que alude a Lei nº 7.418/85".

Já em outro caso, contrariamente, uma empresa foi condenada a integrar o auxílio-combustível à remuneração de um trabalhador [10]. A sentença foi mantida pelo Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 3ª Região. A alegação empresarial era no sentido de tal verba era paga com o propósito de apenas viabilizar o deslocamento para trabalho, mas o entendimento que prevaleceu foi de que o veículo não era instrumento para o cumprimento das atribuições do trabalhador. Em seu voto, o desembargador relator destacou: "A retribuição, portanto, não ocorreu para o trabalho, mas pelo serviço prestado, sobretudo diante da ausência de variação de valores, exigência da comprovação de gastos, demonstração de quilômetros percorridos e indicação das visitações realizadas durante a jornada de trabalho".

Assim, a partir da análise da legislação vigente e da jurisprudência citada, pode-se concluir que, se o veículo for utilizado for essencial para a prestação do serviço, o auxílio ou vale-combustível terá caráter indenizatório, e, portanto, não irá integrar a sua remuneração. A mesma lógica deve ser aplicada ao valor do auxílio-combustível quando esse tiver por finalidade apenas substituir o vale-transporte. Se o pagamento tiver o fim de ressarcir as despesas com o combustível, não há que se falar em plus salarial e integração na remuneração, permanecendo o seu caráter indenizatório, podendo pagamento ser convencionado como uma ajuda de custo.

Vale lembrar, ainda, que o Tribunal Superior do Trabalho (TST) já se posicionou num caso específico no sentido de que o pagamento do vale-transporte, ainda que feito em dinheiro, não altera a natureza indenizatória da parcela destinada para essa finalidade [11].

Aliás, impende destacar que, em observância ao contido no artigo 611-B da CLT [12], que traz as hipóteses de ilicitude da negociação coletiva, a questão envolvendo o ajuste entre as partes sobre a concessão do auxílio ou vale-combustível não encontra óbice para o instrumento coletivo de trabalho.

Entrementes, é facultado ao empregador, por meio da negociação coletiva ou até mesmo por acordo individual, propiciar a substituição do benefício do vale-transporte pelo auxílio ou vale-combustível para aqueles que se utilizam de veículo próprio para o seu deslocamento residência-trabalho e vice-versa. Por isso que, para que haja uma maior segurança jurídica entre as partes, recomenda-se que aludida pactuação conste expressamente no respectivo instrumento, sobretudo para evitar dúvidas de que a empresa irá fornecer a parcela em substituição ao vale-transporte.

Em arremate, ressalte-se que o vale-transporte é um direito do trabalhador que pode inclusive, ser renunciado. Entretanto, poderá haver a sua substituição por auxílio ou vale-combustível, de modo que, a fim de garantir uma maior segurança jurídica, deve-se observar os seguintes requisitos: a) seja a pactuação ajustada via acordo individual ou negociação coletiva; b) seja efetivado o desconto de até 6% do salário do trabalhador; e c) conste previsão expressa do vale-combustível na folha de pagamento

Fonte: Consultor Juridico, por Por Ricardo Calcini e Leandro Bocchi de Moraes, em 04/5/2023