Custodio Bissetti Advogados

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07 Ago 2023

Etarismo: discriminação e preconceito no ambiente de trabalho

É sabido que a proteção contra a discriminação e o preconceito no ambiente de trabalho é regra a ser observada nas relações entre empregados e empresas, de sorte que, nos últimos tempos, tem-se observado que o etarismo ou idadismo — situações em que ocorre a discriminação por idade — tem se mostrado mais presente no meio empresarial, sem que, porém, as companhias estivessem atentas a este novo cenário da população brasileira.

De início, impende destacar que esse tipo de discriminação pode atingir qualquer faixa etária, não obstante aconteça de modo mais frequente entre homens e mulheres que se encontrem em uma idade mais avançada. Em que pese a expressão etarismo possa parecer "nova", a discriminação no mercado de trabalho por conta da idade é um assunto antigo.

Com efeito, de acordo com os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2021, o Brasil possui hoje cerca de 32 milhões de pessoas acima dos 60 anos, e ainda, mais da metade da população alcançou os 30 anos [1].

E, mais, segundo o Relatório Global sobre Etarismo elaborado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pela Organização das Nações Unidas (ONU), o etarismo institucional relaciona-se ao conjunto de regras, normas e práticas de instituições que limitam indevidamente as oportunidades devido à idade, conquanto o etarismo interpessoal pode surgir na interação de duas ou mais pessoas. A título de exemplo, pode acontecer no ambiente de trabalho quando a pessoa é julgada em virtude de sua idade [2].

De acordo com uma pesquisa realizada pela empresa Ernst & Young e a agência Maturi em 2022, o etarismo dificulta a inserção das pessoas maiores de 50 anos no mercado de trabalho, de forma que das companhias entrevistadas o percentual de trabalhadores nessa faixa etária, em seu quadro funcional, corresponde entre 6% e 10% [3].

De igual modo, um levantamento feito pela Infojobs concluiu que 57% dos entrevistados já passaram por algum episódio de hostilidade em razão da sua idade. Isso porque, de um lado, os mais jovens se sentiram subestimados; de outro, os mais velhos vivenciaram questionamentos de seu profissionalismo pelos mais novos [4].

Por certo, a temática é polêmica, tanto que o assunto foi indicado por você, leitor(a), para o artigo da semana na coluna Prática Trabalhista, da revista Consultor Jurídico (ConJur[5], razão pela qual agradecemos o contato.

Do ponto de vista normativo no Brasil, a Constituição de 1988 estabelece em seu artigo 3º, inciso IV, que dentre os seus objetivos fundamentais figura a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação [6].

Mais a mais, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), no capítulo da proteção do trabalho da mulher, dispõe sobre a vedação de discriminação por idade em seu artigo 373-A, incisos I, II e III [7]. E, ainda, a Lei nº 9.029, de 13 de abril de 1995, proíbe expressamente a adoção de toda e qualquer prática discriminatória para efeitos admissionais ou de permanência da relação jurídica de trabalho, e, dentre essas condutas, está inclusive a discriminação por idade [8].

Já do ponto de vista internacional, a Convenção nº 111 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) [9] dispõe sobre a proibição de discriminação em matéria de emprego e ocupação, protegendo a dignidade da pessoa humana.

A respeito da temática, oportunos são os ensinamentos da professora Cristina Paranhos Olmos [10]:

"A Convenção 111 da Organização Internacional do Trabalho, ratificada pelo Brasil, a Constituição Federal do Brasil e as leis infraconstitucionais, como exposto, protegem os trabalhadores contra a discriminação.

(...). A discriminação que mais preocupa no que se refere à idade é a que impede a contratação de pessoas de determinada faixa etária, a exemplo, do que ocorre com as muito jovens, ou acima de 35 anos, consideradas 'velhas' para o mercado de trabalho.

A dificuldade do jovem é para ser inserido no mercado de trabalho, porquanto os empregadores evitam a contratação de pessoas de pouca idade e sem experiência na atividade".

Recentemente, a Justiça do Trabalho de São Paulo condenou uma empresa ao pagamento de uma indenização por dano moral em favor de uma trabalhadora de 64 anos de idade, haja vista a prática de etarismo no local de trabalho [11]. A trabalhadora relatou no processo judicial que recebia repostas ofensivas de seus supervisores, na presença dos demais trabalhadores da empresa, em razão da idade e por ter dificuldades para operar os computadores, sendo tal fato comprovado em audiência.

Em outro caso, o Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 4ª Região considerou nula a despedida de um trabalhador em razão da idade, e, por conseguinte, determinou a sua reintegração ao emprego, assim como arbitrou uma indenização por danos morais em virtude da dispensa discriminatória [12].

Em seu voto, o desembargador relator ponderou:

"Ora, resultou demonstrado que o ato de despedida do reclamante, cujo contrato de trabalho já perdurava por mais de 23 anos, decorreu da sua idade — contava com 55 anos quando foi despedido. Nessas circunstâncias, a dispensa do autor, tal como concluiu a douta magistrada de origem, foi nitidamente discriminatória, evidenciando mero descarte de empregado pela sua idade. Houve, portanto, extrapolação do poder diretivo do empregador e do dever de guardar o princípio da boa-fé na execução dos contratos (CC, art. 422)".

O Tribunal Superior do Trabalho (TST) também já foi provocado a emitir um juízo de valor sobre o assunto, de forma que manteve a condenação de indenização por danos morais coletivos em razão de constatar a irregularidade no anúncio de uma vaga de emprego, o qual continha restrição de idade para admissão de um determinado cargo [13].

Logo, é imprescindível o combate ao etarismo a partir de políticas públicas e privadas, com o objetivo de erradicar a discriminação por idade e, por conseguinte, elidir a desigualdade, proporcionando uma melhor qualidade de vida, assim como o respeito aos direitos humanos fundamentais.

Frise-se que o empregador deve proporcionar um meio ambiente laboral saudável, e, por isso, é forçosa a implementação de mecanismos e estratégias para evitar a discriminação por idade nas empresas.

Em arremate, é necessária a adoção de boas práticas e utilização de uma linguagem correta e abrangedora para a intolerância etária, pois, hodiernamente, nota-se que o conflito entre as gerações está mais presente em nossa sociedade. Além disso, é preciso uma mudança cultural para evitar o uso de palavras e expressões que tragam uma conotação discriminatória e pejorativa, deslegitimando a fala da pessoa mais jovem ou daquela em idade mais avançada.

 

Fonte: Consultor Jurídico, por Ricardo Calcini e Leandro Bocchi de Moraes, em 27 de julho de 2023