Custodio Bissetti Advogados

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05 Dez 2023

Contratação de pessoas com deficiência: desafios vão além da necessidade de inclusão

A data de 3 de dezembro marca o Dia Internacional das Pessoas com Deficiência, criado em 1992 pela Assembleia Geral das Nações Unidas a fim de promover a compreensão das questões da deficiência e mobilizar apoio à dignidade, aos direitos e ao bem-estar desse grupo.

Previsto na Constituição da República de 1988, o amparo à pessoa com deficiência também está presente nas relações de trabalho desde a Consolidação de Leis do Trabalho (CLT) e, mais recentemente, foi consolidado no Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015).

De acordo com o estatuto, pessoa com deficiência é “aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas”.

 

Desigualdades

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2019 mostram que, com 17,2 milhões de pessoas com deficiência no Brasil, a inclusão no mercado de trabalho ainda é ínfima, e a média salarial é R$1 mil inferior à de pessoas sem deficiência. Há, ainda, desigualdade de gênero, com 32,7% dos homens ocupados em comparação a 22,4% das mulheres.  

 

Justas e favoráveis

Apesar de um rol de documentos normativos internacionais e um leque de diplomas brasileiros antidiscriminatórios e exigências legais sobre contratação de pessoas com deficiência, a inclusão enfrenta desafios concretos, como o direito ao trabalho em igualdade de oportunidades (condições justas e favoráveis). Isso envolve, muitas vezes, a impossibilidade de exigir do empregado ou empregada com deficiência a mesma produtividade dos demais colegas, sem deficiência.

 

Exigência de produtividade

Essa foi a situação de um bancário de Florianópolis, a quem a Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) deferiu indenização de R$ 20 mil. Laudo pericial trazido ao processo constatou que ele tinha distúrbios de controle muscular nas pernas, déficits de coordenação, dificuldade de locomoção, encurtamento dos tendões calcâneos e falta de coordenação na mão direita. Mesmo assim, o banco não fazia distinção entre a cobrança dirigida a ele e aos demais colegas.

Segundo o bancário, ter de apresentar metas iguais a pessoas sem deficiência o levou a desenvolver transtorno depressivo e a ter de se afastar pelo INSS. Para o colegiado, a conduta do empregador não observou o princípio da igualdade em seu aspecto material.

 

PCD

O bancário havia ingressado no banco em março de 2005, quando o termo para pessoas com deficiência era PNE (portador de necessidades especiais). Um ano depois, o termo Pessoa com Deficiência (PCD) foi definido pela Convenção das Nações Unidas sobre o Direito das Pessoas com Deficiência e aprovado pela Assembleia Geral da ONU.

 

Cota

Desde julho de 1991, a Lei da Previdência Social (Lei 8.213/1991, artigo 93), obriga as empresas com 100 ou mais empregados a preencher de 2% a 5% de seus quadros com beneficiários reabilitados ou pessoas com deficiência. Contudo, muitas empresas ainda confundem isso com assistencialismo.

 

As ações civis públicas contra estabelecimentos que descumprem essa cota são numerosas na Justiça do Trabalho e, muitas vezes, resultam em condenações por danos morais coletivos. Também são muitas as discussões sobre as funções que devem fazer parte da base de cálculo da cota.

Recentemente, a Sexta Turma do TST condenou a Usina Uberaba S.A. ao pagamento de indenização de R$ 250 mil, por entender que a empresa havia se omitido durante cinco anos, de forma deliberada, para não contratar o número exigido de pessoas nessa condição.

 

Adaptação razoável

Outro tema que surge nas reclamações trabalhistas é a necessidade de adequação do local de trabalho às necessidades da pessoa com deficiência. Esses casos envolvem a chamada “adaptação razoável”: de acordo com o Estatuto das Pessoas com Deficiência, trata-se de modificações e ajustes necessários que não acarretem ônus desproporcional ou indevido, para assegurar que essas pessoas tenham igualdade de oportunidades com as demais pessoas. A adaptação razoável é aplicada a cada caso, de forma individual, para atender à necessidade de determinada pessoa, segundo a natureza de sua deficiência.

A adequação de espaço de trabalho e o fornecimento de tecnologias assistivas são assegurados pelo estatuto, que diz que toda pessoa com deficiência tem o direito ao trabalho por sua livre escolha e aceitação, em ambientes de trabalho acessíveis e inclusivos, com oportunidades iguais aos demais. A recusa a adotar essas medidas pode ser enquadrada como uma discriminação por motivo de deficiência.

 

Nanismo

O tema foi tratado numa ação movida por uma atendente de São Borja (RS) com nanismo. Segundo ela, a empresa sabia da sua condição de saúde, mas o mobiliário era inadequado. Suas pernas ficavam penduradas, sem alcançar o chão nem a mesa de trabalho, e as más condições de adaptação resultaram em dores na coluna lombossacra.

 

Em fevereiro deste ano, o caso foi julgado pela Terceira Turma do TST, que concluiu que a dispensa foi discriminatória, em razão da omissão da empresa em adaptar as condições de trabalho e ambientais para a trabalhadora.

 

Prioridade processual

Entre os direitos garantidos às pessoas com deficiência também está a prioridade na fila de processos trabalhistas, assegurada pela Lei 12.008/2009 e no Estatuto da Pessoa com Deficiência. A preferência pode ser requisitada por requerimento ao juiz, com a comprovação dessa condição.

 

Capacitismo

Cláudio Brandão, ministro do Tribunal Superior do Trabalho, em seu livro “Direitos Humanos das Pessoas com Deficiência – História no Brasil e em Portugal”, ao tratar de discriminação por motivo da deficiência ou “capacitismo”, informa que o termo foi criado para identificar a discriminação e consiste em qualquer atitude ou comportamento que atribua, direta ou indiretamente, à pessoa com deficiência “a condição de incapaz, jurídica ou materialmente , de pensar, agir e viver plenamente na sociedade”.

Em dezembro de 2022, o TST lançou a publicação digital “É capacitismo, e você deve saber - Um miniguia para atitudes que incluam pessoas com deficiência”. A iniciativa se alinha às metas dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 das Nações Unidas, que trazem os temas da inclusão social das pessoas com deficiência e da acessibilidade como pautas primordiais.

 

Fonte: TST, por Ricardo Reis, 03/12/2023.

 

 

 

O eSocial e a inexigência de multa de mora nas contribuições vinculadas a ações trabalhistas

 

O eSocial está parametrizado para exigir o recolhimento da multa de mora de 20% sobre o valor pago a título de condenações e acordos trabalhistas. Essa parametrização, ao que tudo indica, tem como base o que determina o §2º do artigo 43 da lei 8.212/91:

Art. 43. Nas ações trabalhistas de que resultar o pagamento de direitos sujeitos à incidência de contribuição previdenciária, o juiz, sob pena de responsabilidade, determinará o imediato recolhimento das importâncias devidas à Seguridade Social. 

(...) § 2o Considera-se ocorrido o fato gerador das contribuições sociais na data da prestação do serviço. (Incluído pela lei 11.941/09).

 

Ou seja, independentemente do momento em que a empresa tem ciência da obrigação do recolhimento das verbas requeridas pelo Reclamante, e cuja certeza e liquidez é dada por acordo ou pela decisão judicial trabalhista, a Receita Federal considera que são devidas as contribuições previdenciárias e de terceiros desde o momento da respectiva prestação de serviço.

O empregador, por sua vez, ao efetuar o lançamento dos valores de remuneração definidas como devidas no processo trabalhista, no eSocial, depara-se com a geração automática do valor acrescido da multa de mora no limite de 20% e juros SELIC.  

Entretanto, é bastante questionável a legalidade da exigência do acréscimo da multa de mora, considerando-se como devidas as contribuições desde a prestação do labor.

Isso porque não se trata de pagamento a destempo efetuado pelo empregador, que antes da Reclamatória ou não tinha ciência que devia valores ao Reclamante, ou não fez o pagamento das verbas no vencimento da respectiva obrigação.

 

Nesse caso, é defensável que a mora, tratando-se de pagamento no curso do processo trabalhista, somente ocorrerá após o decurso do prazo outorgado para pagamento da condenação ou do acordo trabalhista. Antes desse momento, não há base jurídica para a cobrança da multa moratória, incidente sobre o principal das contribuições, uma vez que não se trata de pagamento espontâneo e sim de recolhimento em decorrência de determinação judicial, com prazo fixado de cumprimento.

Sobre o momento da incidência da multa de mora, o TST já teve a oportunidade de consolidar o seu entendimento, consoante o item IV da Súmula TST nº 368, que dispõe:

IV - Considera-se fato gerador das contribuições previdenciárias decorrentes de créditos trabalhistas reconhecidos ou homologados em juízo, para os serviços prestados até 4.3.2009, inclusive, o efetivo pagamento das verbas, configurando-se a mora a partir do dia dois do mês seguinte ao da liquidação (art. 276, "caput", do decreto 3.048/99). Eficácia não retroativa da alteração legislativa promovida pela MP 449/08, posteriormente convertida na lei 11.941/09, que deu nova redação ao art. 43 da lei 8.212/91.

 

O posicionamento sumular dispõe que as contribuições previdenciárias devem ser calculadas com base na data em que o trabalho foi realizado, com acréscimo de juros de mora. Contudo, a multa moratória somente é devida a partir do exaurimento do prazo dado para pagamento, após a liquidação do valor devido, e se descumprida a obrigação.

Essa sistemática tem guarida no artigo 276 do decreto 3.048/91 (Regulamento da Previdência Social), cujo caput determina que nas ações trabalhistas de que resultar o pagamento de direitos sujeitos à incidência de contribuição previdenciária, o recolhimento das importâncias devidas à seguridade social será feito no dia dois do mês seguinte ao da liquidação da sentença. Nessa hipótese, apesar do fato gerador das contribuições, vinculada à reclamatória trabalhistas, ocorrer na prestação do respectivo labor, o vencimento do tributo somente ocorrerá no dia dois do mês seguinte ao da respectiva liquidação judicial. Antes disso, não há mora por parte do empregador.

 

Reforça essa sistemática, o disposto no §4º do citado artigo que dispõe que contribuição do empregado no caso de ações trabalhistas será calculada, mês a mês, aplicando-se as alíquotas devidas, observado o limite máximo do salário-de-contribuição, mas sem determinar o acréscimo moratório, caso haja o pagamento no prazo estabelecido pelo seu caput.

Isso significa que as contribuições previdenciárias têm o seu fato gerador vinculado época em que o empregado prestou os serviços ao empregador, independentemente de quando ele recebeu os seus direitos trabalhistas. Contudo, o vencimento dessas contribuições, quando lançadas no curso do processo trabalhista, somente ocorre no prazo determinado pela Justiça do Trabalho. E o descumprimento desse prazo específico que determina a incidência da multa moratória.

 

Essa orientação é reforçada pelo item V da mesma súmula:

V - Para o labor realizado a partir de 5.3.2009, considera-se fato gerador das contribuições previdenciárias decorrentes de créditos trabalhistas reconhecidos ou homologados em juízo a data da efetiva prestação dos serviços. Sobre as contribuições previdenciárias não recolhidas a partir da prestação dos serviços incidem juros de mora e, uma vez apurados os créditos previdenciários, aplica-se multa a partir do exaurimento do prazo de citação para pagamento, se descumprida a obrigação, observado o limite legal de 20% (art. 61, § 2º, da lei 9.430/96).

 

Se a decisão judicial trabalhista, no exercício da competência de constituição do crédito tributário, nos termos do §3º do artigo 114 da Constituição Federal, efetuou a liquidação do valor devido e, também, o das contribuições sem o acréscimo da multa de mora, caberia à União Federal questionar nos próprios autos. E, não, pretender através da parametrização do sistema eSocial coagir o contribuinte a declarar e recolher os valores de multa de mora.

 

Poder-se-á arguir, também, que se trata de uma espécie de denúncia espontânea, porque o contribuinte somente estará confessando a contribuição previdenciária naquele momento no eSocial, e efetuando o recolhimento da respectiva contribuição. Sendo que nos termos do artigo 138 do CTN não é devida a multa moratória. Mas a parametrização do eSocial também impede a aplicação do instituto da denúncia espontânea, restringindo o direito legalmente assegurado ao contribuinte.

Tendo em vista esse contexto, provavelmente restará aos contribuintes buscar junto ao Judiciário o seu direito de estarem dispensadas da obrigação de incluir no eSocial informações de condenações e acordos trabalhistas, até que a Receita Federal deixe de cobrar automaticamente, por meio do sistema, multa de 20% de mora sobre valores de contribuições sociais e previdenciárias. Bem como, o reconhecimento da ilegalidade da exigência dos valores da penalidade moratória.

Fonte: Migalhas, por Alessandro Mendes Cardoso, 1/12/2013.